quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Novas Conexões entre Cultura e Economia

Por Gilson Schwartz[i]

Graduado em Economia e em Ciências Sociais pela USP, Mestre e Doutor em Ciência Econômica pela Unicamp. Na USP, criou o projeto de pesquisa Cidade do Conhecimento no Instituto de Estudos Avançados, a disciplina "Introdução à Iconomia", é responsável pela disciplina de pós-graduação "Economia da Informação e Novas Mídias" e professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes. Atua também como consultor de instituições financeiras (BankBoston, BNDES, BNB, CEF e BB).

Indústria cinematográfica

Quando falamos em criatividade e imaginação, do ponto de vista de economia da cultura, sem dúvida alguma a indústria cinematográfica é um dos setores, ou talvez o setor, mais potente em termos de efeitos. Alavanca tanto para trás, na produção, quanto para frente, na distribuição e no consumo. Não vou aqui pontuar sobre a importância do cinema também na formação da identidade, na difusão de modelos ideológicos, de modos de vida e etc. Todos sabem da importância do cinema no século XX e o que essa indústria vem representando também como pólo de inovação, ligada ao entretenimento e outras tecnologias na área do áudio visual. Vamos olhar para o cinema no Brasil.

Dos filmes que estrearam em 2005 no país 18 são nacionais e 161 estrangeiros. Analisando empresas produtoras de longas metragens ficcionais brasileiras com rendas superiores a 20 milhões de reais entre 95 e 2004, constata-se que de 53 filmes produzidos apenas 18 não tiveram co-produção da Globo Filmes. A renda dos filmes, aí é avassalador, só 8% ficou fora da Rede Globo.

Dos vinte filmes nacionais de maior público, segundo a ANCINE, dez são do grupo Os Trapalhões, ou seja, o Renato Aragão, um cearense, é o cara que mais teve público no cinema brasileiro. No entanto, Os Trapalhões, mais do que um produto do Ceará é um produto da Globo.

Desta forma, pensando a indústria cultural brasileira, principalmente o cinema, nós poderíamos praticamente dizer que se trata de um monopólio do ponto de vista de quem produz conteúdo no Brasil. Ainda assim, o setor é só uma parte muito ínfima do mercado que é totalmente dominado, seja no número de lançamentos, seja na distribuição pelas grandes empresas americanas. Os 10 filmes de maiores bilheterias dos últimos dez anos foram distribuídos pela Columbia, Columbia Fox, Lumière Fox, e Warner, ou seja, nenhuma organização brasileira.

Coronelismo eletrônico

A esses dados se sobrepõe uma realidade que é conhecida em todo Brasil, a do “coronelismo eletrônico”, sobretudo, lógicas clientelistas na distribuição de canais de rádio e de TV.

Não existe propriamente uma dinâmica de mercado cultural, o que existe é esse interesse político e cada vez mais religioso no setor. Basta abrir um canal ao acaso nas nossas redes de TV a cabo que vamos imediatamente constatar a quantidade de canais que estão transmitindo cultos religiosos. É complicado esse deslocamento do interesse privado para o interesse político ou religioso.

Só para ilustrar o grau de concentração, no caso da TV aberta, são propriedade de: igrejas 16%; fundações privadas e Universidades 21%; políticos e mais as estatais, que são sempre políticas também, 40%. Desta forma, pode-se dizer que, praticamente 70, 80% da TV aberta no Brasil não é empresarial do ponto de vista da propriedade, não segue uma lógica empresarial.

A meu ver, de modo geral, em uma sociedade na qual informação e conhecimento são artigos tão importantes, a confiabilidade e a reputação da informação que você utiliza é um dado central. E o que define essa idoneidade não é o fato de o meio de comunicação ser público, estatal ou do setor privado. Essa questão da qualidade e da transparência da informação é uma questão fundamental para cada indivíduo, cada empresa, cada organização. E o cidadão, por sua vez, vai o tempo todo se defrontar com a informação e o conhecimento que estão no mercado, que estão nas agências públicas ou privadas, e todas elas refletirão agendas, refletirão opções que poderão ser mais ou menos confiáveis.

Um grande problema que apenas reforça o monopólio e a lógica clientelista é a separação dos serviços de comunicação em ambientes distintos. Ou seja, cinema é uma coisa, televisão é outra, telecomunicação possui uma legislação própria, enfim, tudo é fragmentado. A fragmentação, evidentemente, é favorável à manipulação de bastidores, aos lobbies que não são transparentes e tudo isso dificulta a expansão do mercado, na medida em que não existe um marco regulatório consistente para a área de comunicação no Brasil. O resultado é uma total ausência de transparência sobre a estrutura de propriedade e de afiliação das emissoras de TV.

Todo esse quadro torna muito difícil pensar em novas relações entre economia e cultura. Esse conjunto de regras que não se falam, que não se comunicam, a disputa política nesse setor, que não é sequer tratada publicamente, uma vez que você tem que olhar com lupa os jornais e as agências de notícias para ir percebendo mais ou menos como se dá, na prática, esse jogo de interesses, mostra que de fato estamos lidando com heranças de um coronelismo eletrônico, o famoso clássico do Vitor Nunes Leal, “coronelismo, enxada e voto”. Esse lema caracterizou um período muito específico da história brasileira que foi essa transição do império para uma “república”, na qual as estruturas de poder, sobretudo as estruturas de poder regionais, foram todas fatiadas numa espécie de reedição das capitanias hereditárias. Assim, as relações clientelistas têm um alto grau de reciprocidade, de conexões.

Evidente que assim a distinção entre público e privado vai pro espaço. O público é aquilo que, na verdade, é colocado a serviço de um interesse privado, e o próprio interesse privado acaba com uma lógica clientelista, ou seja, não é um mercado atuando no setor privado, são poderes altamente concentrados manipulando o espaço público. Nesse sistema piramidal, hierárquico e coronelista, o próprio meio de produção de comunicação acaba sendo controlado pelo poder político, muito mais que o poder econômico, gerando uma defasagem, um desajuste. Seria muito interessante até se o Brasil um dia chegasse a ser capitalista, se chegasse a ser uma economia de mercado, possivelmente iríamos nos desenvolver mais, sobretudo na cultura, que é uma das armas principais para o desenvolvimento, conforme estamos presenciando em escala global.

A privatização das telecomunicações

Há uma defasagem econômica no setor de comunicações. Com base em dados de 2006, a comunicação de massa faturava 17 bilhões enquanto que as telecomunicações faturaram 120 bilhões. Aí chegamos realmente ao ponto central da minha visão, ou seja, o que tem de novo no cenário econômico, que altera o significado da cultura e da produção de conteúdo e coloca em xeque o coronelismo eletrônico, é a mudança das telecomunicações após a privatização.

É sabido que a privatização das telecomunicações colocou em cena, em primeiro lugar, empresas multinacionais, de tal forma que a lógica local coronelista de manipulação política e religiosa fica insignificante perto de empresas gigantescas que operam em escala global, com um volume de faturamento brutal. Se há 20 anos falar em telecomunicações era falar em Telex, Telefonia, hoje nós estamos falando de telefones celulares que são eles mesmos interfaces poderosíssimas de conteúdo áudio visual. Mas há aí uma grande diferença de poder econômico, é quase dez vezes mais o que gira de riqueza, de valor, no setor de telecomunicações do que o que gira de valor na mídia da comunicação de massa.

Assim, já estamos dentro de uma questão fundamental para os pactos de dominação no Brasil que é esse confronto entre a herança do coronelismo eletrônico nos meios de comunicação em massa e a emergência de interesses econômicos autenticamente globais vinculados à indústria de telecomunicações.

O que vai ser transmitido de um celular a outro, ou entre o celular e a televisão ou o cinema, ou ainda entre o celular e o ponto de ônibus, são conteúdos cuja fronteira em termos de associação ao entretenimento, serviços, produção e distribuição, são ainda muito pouco conhecidas. No entanto, é evidente que são enormes os territórios que estão se abrindo, do ponto de vista de potencial de valor, de utilidade pública, de interesse, de demanda, de mercado e não é por acaso que nós estamos testemunhando esse acontecimento.

Embora não seja muito divulgado, uma guerra, um cabo de guerra entre o setor de rádio e difusão e o setor de telecomunicações está se desenrolando no congresso nacional, nas comissões de ciência e tecnologia e em outras comissões por onde passam questões como, por exemplo: pode transmitir sinais de televisões pelo telefone celular? Sim, tecnologicamente pode. E se não for para transmitir o sinal das grandes emissoras? Se em vez da novela das oito no celular tivermos uma mini-novela produzida pelos estudantes da Universidade Federal do Ceará, transmitidos pela operadora X, Y, Z? Alguns acham um absurdo, evidente, mas as operadoras estão esfregando as mãos e falando, “bom estamos de posse de uma infra-estrutura tecnológica que é o futuro das comunicações, que é o futuro do entretenimento, que é o futuro dos serviços”.

E a economia criativa é o centro dessa história. Ela pode ser o padeiro usando o celular para informar que saiu o pãozinho bem quente ou aquela deliciosa torta de cenoura, que o pessoal do bairro já conhece. Certamente, fica mais criativo o negócio da padaria usando uma mídia, um meio de comunicação inusitado. Mas padaria é indústria criativa? É economia criativa? Mas não seria turismo, moda, entretenimento? Seja padaria, farmácia, pizzaria ou o trabalho do motoboy ou da rendeira, quem quer que seja, pode ser transformado pelo uso da internet e do celular. Então, são configurações de poder, inclusive de arranjos institucionais, que estão se modificando dada a importância da economia criativa. E quem vai segurar? Que repercussões isso vai ter sobre o sistema de dominação? Que repercussões isso vai ter sobre a eficiência das próprias empresas não só na área cultural?

No entanto, esse jogo de possibilidades, de controle sobre as possibilidades, passa, evidentemente, pelo Estado e, no Brasil, a conformação não é ainda consensual apesar da privatização. Como é que se pode reverter um processo no qual os responsáveis pelo setor mais dinâmico – que é esse das telecomunicações – faturam 120 bilhões? Não tem nada que chegue perto desse poder econômico, nesse contexto, a não ser a Petrobrás e o próprio Estado brasileiro.

O fato é que os meios de comunicação vão se fundindo com as atividades produtivas de distribuição, de informação, de comunicação, de educação, de pagamentos. Surge aí um terceiro elemento de monopólio do nosso país, que é o sistema bancário, altamente concentrado. Não preciso falar nada sobre o lucro dos bancos no Brasil. Trata-se de um grande negócio que não irá aceitar facilmente que, de repente, possamos ter meios de pagamentos de contas via celular.

Então, hoje nós temos na estrutura econômica, e não apenas no Brasil, o impacto das novas tecnologias de informação e comunicação, sobretudo as móveis, ou seja, a internet móvel e o telefone celular. É a emergência de uma situação econômica e política sem precedentes. Nós já passamos da casa dos 120 milhões de celulares vendidos no Brasil. Não há base de comparação, em termos de impacto econômico, social, político e cultural em relação a todas as áreas, a todas as indústrias. Do tráfico de drogas a entrega de pizza, todos estão com um celular na mão e às vezes com mais de um. Isso cria uma situação de conflito de interesses que, obviamente, não foi resolvido ainda.

Em minha opinião, todos os interessados no tema da economia criativa, seja com um foco mais específico naquilo que a gente poderia chamar de indústrias criativas, indústrias culturais, seja pensando economia criativa como dinâmica de inovação em todos os setores da economia, o fato fundamental é a emergência dessa telefonia que de telefonia mesmo representa muito pouco, pois cada vez mais o que interessa é essa rede de suporte para transmissão de dados digitais. Pode ser música, filme, novela, revista, podem ser modelos de comércio ou de serviços públicos. Enfim, tudo que for possível comunicar, com a vantagem de um aparelho que cabe no bolso do casaco e que pode permitir essa conectividade, vai gerar impactos nos modelos de negócios tanto do setor do áudio visual, do entretenimento, quanto no setor financeiro e em outras atividades.

É bom ressaltar que os principais detentores dessa nova infra-estrutura não são brasileiros, são espanhóis, portugueses, italianos, japoneses. Os aparelhos que nós usamos e os serviços de distribuição de telefonia e outros fluxos de dados pelo celular foram privatizados e internacionalizados. O pacto político que vai resultar dessa situação é uma grande incógnita e é uma situação que não é trivial defender.

Nesse quadro, o faturamento do setor de comunicações fica na seguinte proporção: telefonia celular, telefonia fixa, depois vem TV por assinatura, TV aberta, depois revista, rádio, jornal, internet e o cinema quase microscópico.

Essa é a realidade que estamos vivendo, mas ninguém ainda explorou muito o que significa, efetivamente, 10 anos depois da privatização do sistema de telecomunicações no Brasil o impacto dessa mudança na estrutura de propriedade e no modelo tecnológico sobre os modelos de negócios, sobretudo dos setores que são mais diretamente afetados na área de comunicação, mídia impressa, rádio, difusão e o próprio cinema.

Exclusão cultural

Vamos ver o mapa da exclusão informacional e cultural brasileira em 2005, conforme dados do IBGE, com relação a municípios: 4.403 de 5.000 municípios não têm nenhum teatro ou salas de espetáculo; 4.400 não têm nenhuma sala de espetáculo; 5.061 não têm cinema; 1.251 não têm vídeo locadora; 2.500 não têm loja de discos, CDs, fitas ou DVDs; 3.843 municípios não têm sequer uma livraria; 4.300 não têm estações de rádio AM e 2.700 não têm estações FM; TV por assinatura e geradores de TV não existem em quase todos os municípios; provedor de Internet, o que tem realmente no Brasil?

No entanto, recepção de TV aberta comercial apenas 76 municípios no Brasil não têm. Por quê? Porque no Brasil 76 municípios não têm energia elétrica, só por isso, ou seja, o Brasil todo está não mão da rede de TV comercial aberta, o restante praticamente não existe. Essa é a realidade.

Então, esses números servem como um subsídio para reflexão, para pensarmos qual é realmente o espaço da inovação e da criatividade na economia brasileira. Partindo do setor que tradicionalmente consideraríamos como setor matriz de inovação e de criatividade que é a cultura, o cinema, a televisão, o teatro, a literatura e etc., o quadro é bastante desalentador. No entanto, vem aí um processo de mudança política, de mudança tecnológica, sobretudo com a chegada do celular e da TV digital. Que outra dinâmica esse sistema vai estabelecer, especialmente no momento em que o poder político é bastante questionado? O fato é que as estruturas de poder estão sendo chacoalhadas, as alianças políticas estão sendo refeitas.

Eu acredito que essa emergência do digital traz, de fato, enormes possibilidades do ponto de vista tecnológico. No entanto, em economia política não se pode olhar a tecnologia no sentido estrito, sem entender qual é a estrutura de controle da propriedade dos seus meios de produção. Nesse sentido, eu vejo que a estrutura do digital é extremamente concentrada. Então, que perspectiva nós temos de criar no âmbito da economia criativa um padrão de distribuição de propriedade e, portanto, de distribuição de renda diferente desse que nós vimos observando no Brasil e no mundo ao longo das ultimas décadas? Qual a possibilidade efetiva de democratização?

As estruturas de poder

A Internet realmente é fantástica. Qualquer um acessa e faz um Blog pessoal ou então coloca o seu vídeo no Youtube a um custo baixíssimo e com inúmeras possibilidades de acesso. É inegável que um adolescente hoje tem a sua disposição meios de comunicação, inclusive de organização dos seus interesses, que não existiam antes. Desse ponto de vista, as novas tecnologias trazem mais democracia. Porém, não vamos esquecer que o Youtube, o Google, o Orkut e mesmo Second Life – que está emergindo também como uma grande novidade – são empresas cujos proprietários existem, não são tecnologias soltas no ar. Vários desses proprietários estão localizados ou na Califórnia ou em Nova York. Por que o Google e o Gmail valem muito na bolsa? Porque milhões de brasileiros vão lá e entregam todos os seus dados, todos os seus e-mails e com grande alegria, afinal de contas, é uma possibilidade democrática de você abrir a sua página e dizer: “olha eu gosto de cachorro de pêlo curto, eu gosto de viajar para a praia, meu cantor preferido é...”

Isso é importante, faz parte do processo. No entanto, novamente observando a maneira como esse processo evolui, tanto em termos do território nacional, quanto em termos globais, o quadro é esse: concentração do poder e do controle; quase total falta de transparência; falta de políticas públicas integradas na área da comunicação digital; inconsciência por parte dos usuários com relação aos seus direitos, com relação às questões de segurança, privacidade, autenticidade.

Assim, quando eu faço minha página no Orkut eu preciso saber que aquilo é uma fonte de conteúdo, de fato é uma extensão da minha competência individual, como alguém que pode ser um sujeito de comunicação. No entanto, não vamos esquecer que todos esses dados são controlados de forma unilateral, por uma empresa que tem o valor que tem na bolsa de Nova York justamente por ser a proprietária dessas bases de dados gigantescos. E existem tantas outras empresas querendo fazer a mesma coisa e muitas delas conseguindo.

Por isso é muito importante e urgente discutir o tema. Entretanto, é preciso sublinhar: não vamos discutir apenas o impacto tecnológico, mas também o modelo de negócios e levantar a questão da propriedade. Não apenas da propriedade intelectual, mas propriedade sobre os meios de produção da comunicação.

O mundo é plano?

Com a globalização estão dizendo que agora o mundo é plano. Não o mundo não é plano, ele continua tão piramidal, talvez se tornando ainda mais piramidal do que jamais foi. E isso ocorre precisamente no momento em que surgem tecnologias com potencial de democratização, de ampliação, de distribuição das oportunidades sem precedentes. Esse é o paradoxo da nossa época.

Digamos que desde a Revolução Industrial, a produção de uma ideologia igualitária fez parte do processo de aumentar as desigualdades. Todo indivíduo, organização ou potência que se torna hegemônica produz, simultaneamente, a ideologia de que todo mundo é igual, e o aprofundamento da desigualdade. Obviamente, a ideologia é uma maneira de fazer as pessoas não questionarem aquela desigualdade que vai se aprofundando, se acentuando. É um pouco o exemplo do Orkut, qualquer um pode ter sua página, mas quem está faturando é o dono da empresa, o acionista lá em Wall Street. O mundo é plano, porque agora o cara tem uma foto dele lá na internet ou tem um Blog que fala dos problemas da sua cidade? Não que isso não seja bom, não estou negando que surgem oportunidades, mas veja, há uma desigualdade. Aliás, o capitalismo é isso, um movimento perpétuo de abertura de oportunidades em que simultaneamente a distribuição dos resultados é altamente desigual. E é dessa contradição que surgem crises, problemas, conflitos guerra e assim por diante. Então essa afirmação de que “o mundo é plano”, acho que faz parte da velha ideologia que diz: “olha, vai com calma, com fé, que todos terão a sua chance”. E não é verdade.

Novos mercados

Existe outra perspectiva que é importante sublinhar hoje que é, de fato, a exaustão de certas frentes de crescimento econômico no primeiro mundo, no mundo industrializado, e uma frente de expansão para várias indústrias, a começar pela indústria da tecnologia da informação.

Do ponto de vista de um industrial que produz computadores ou celulares, por exemplo, ele precisa produzir e vender cada vez mais esses produtos. Nos Estados Unidos ou na Europa o sujeito já tem uma pensão mensal, já tem previdência, casa, saúde, três computadores, carro com GPS, tem transporte público, e etc. E onde o fabricante de computador vai achar clientela? Onde ele vai vender? Onde tem mercado. E onde tem mercado? Na China, Índia, Brasil. E esse é um outro fenômeno. Um movimento importante da atualidade é exatamente o da emergência no cenário do comércio internacional, desses países chamados emergentes onde o consumo de massa de bens de consumo popular é uma frente importante das multinacionais.

E isso não quer dizer que o mundo ficou horizontal, significa apenas que existe um mercado consumidor importante com crédito emergindo nesses países. E aí vem a pergunta que eu coloco: nós vamos entrar na roda como consumidores? Quem produz? Como se distribui o resultado dessa produção? Se eu não olhar esses aspectos vou ficar com a ideologia do mundo plano num mundo que é cada vez mais hierarquizado. E onde o próprio controle da inovação continua se dando no centro, ainda que o próximo bilhão de Notebooks ou de GPS seja vendido na Índia, na China ou no Brasil.

Finalizando

Tivemos no Rio de Janeiro o Internet Government Fórum (IGF), uma instância criada pelas Nações Unidas, uma cúpula sobre a sociedade da informação que aconteceu em Tunis (Tunísia). Durante o evento ficou claro que é necessário reunir governo, empresariado e organizações da sociedade civil para discutir como se governam essas redes digitais. E a primeira questão é: quem controla essas redes digitais?

No entanto, esse Fórum não gerou praticamente nenhum resultado do ponto de vista do questionamento dessas estruturas de poder e a tendência parece continuar a ser a do capitalismo digital selvagem. Cabe, creio eu, às Universidades, aos cidadãos, às empresas, pressionar e fazer com que essas estruturas de controle sejam expostas com mais transparência e sejam renegociadas. No mínimo, que todos tomem mais consciência do sistema novo que está surgindo e das limitações ao crescimento, inclusive econômico, ao desenvolvimento local que essas tecnologias estão trazendo. Porque elas abrem, sem dúvida, oportunidades, porém, o controle da transição entre o que é uma oportunidade e o que é realidade, esse controle existe e está em xeque, ele está sendo neste momento submetido ao stress de pelo menos dois setores: o de rádio e difusão - com enorme poder político - e o das telecomunicações - com enorme poder econômico.
E é essa guerra de titãs que nós estamos observando. Nós que eu digo são aqueles que acompanham com lupa o noticiário, porque, assim como aconteceu na república, “o povo assiste a tudo apenas bestializado”.

[i] Síntese adaptada da palestra proferida pelo autor no dia 27 de novembro de 2007.

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